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terça-feira, 15 de setembro de 2015

Ações humanas resultaram em derretimento irreversível dos glaciares andinos

Se é possível enxotar definitivamente o fantasma da mineração com a criação de uma área de conservação ambiental para o berço do Amazonas, o espectro do derretimento dos glaciares parece impossível de ser afastado. Estudos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul dão conta de que da Patagônia à Venezuela, a maior parte das geleiras dos Andes está derretendo rapidamente nas últimas décadas. Pior: os cientistas consideram o fenômeno uma catástrofe irremediável que pode exterminar para sempre esses milenares reservatórios naturais de água doce.

"A maioria das geleiras dos trópicos está no Peru, 71% do total, basicamente na cordilheira Branca. Aproximadamente 200 quilômetros quadrados do gelo dessas montanhas foram perdidos entre 1980 e 2006. É um decréscimo ao redor de 26% desde 1980", revela o glaciologista Jefferson Cardia Simões, professor de geografia polar e glaciologia da UFRS. "Interessante notar que as geleiras peruanas avançavam até 1870. Depois começaram a definhar. Nos últimos 40 anos a retração aumentou substancialmente."

A velocidade com a qual os glaciares peruanos estão encolhendo foi detectada por Simões e sua equipe. "Existem estudos que chamamos de balanço de massa. Eles determinam quanto uma geleira perde ou ganha de gelo por ano. Nos Andes peruanos essa perda já era 0,2 metro em equivalente de água por ano, entre 1964 e 1975. Atualmente, está em cerca de 0,76 metro."

As consequências do déficit de gelo trará problemas imediatos e em um futuro próximo: "Em uma primeira fase poderá haver deslizamentos e enchentes. Em seguida, a diminuição considerável da disponibilidade dos recursos hídricos será inevitável". Simões lembra que os danos à economia do Peru serão evidentes. "O rápido degelo deve afetar os recursos energéticos, que em grande parte são de origem hídrica e fortemente controlados pelas águas do degelo. A agropecuária e o abastecimento de água também sofrerão prejuízos."

Hoje se sabe que o rápido derretimento dos glaciares andinos é resultado das ações humanas. "Certamente o fenômeno é atribuído às mudanças climáticas, inclusive o aquecimento atmosférico da região. A grande certeza é que o processo vem se acelerando nos últimos 40 anos. Não há como revertê-lo. Evidentemente, se a atmosfera terrestre esfriar, as geleiras dos Andes, assim como as de outras regiões do continente sul-americano, podem se expandir", explica o professor Jefferson Simões.


Roberto Linsker
A água é um tema presente no cotidiano. O precioso líquido dita o ritmo das populações à beira dos glaciares andinos do sudoeste do Peru, onde está a grande maioria das geleiras dos trópicos. Aqui, na cidade de Chivay, a uma centena de quilômetros da região onde o Amazonas é formado, um mural mostra mulheres nativas indo abastecer seus cântaros.
No entanto, o glaciologista da UFRS alerta: "É bom lembrar que todos os cenários previstos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostram que teremos um aquecimento global de, no mínimo, 2 °C até 2100, independentemente de reduzirmos as emissões de gases de efeito estufa". O que é possível fazer de imediato, de acordo com Simões, é aumentar o poder de resiliência das populações direta e indiretamente afetadas pelo degelo dos glaciares.

Para a bacia do rio Amazonas, não há conhecimento concreto sobre os efeitos do desvanecimento prematuro dos Andes. Existem apenas especulações em torno do que possa acontecer com o rio, seus afluentes e ecossistemas, visto que as águas provenientes dos glaciares andinos levam à região amazônica uma boa quantidade de sedimentos que são verdadeiros fertilizantes de vida. "A porção oeste da Amazônia está muito próxima da massa de gelo dos Andes. Esses sedimentos irão diminuir consideravelmente", avalia Simões. Em contrapartida "é a bacia amazônica quem fornece água para as geleiras de grande parte da cordilheira boliviana e peruana, na forma de neve, e não o contrário. Então, todo o ciclo climatológico fica comprometido", conclui.

Não bastassem as ameaças ao Amazonas, recentemente cogitou-se levar água do rio para outras regiões brasileiras, com a intenção de abrandar a crise hídrica que assola vários estados. Para viabilizar esse abastecimento, disse o representante do Serviço Geológico do Brasil, Marco Antonio Oliveira, seria preciso tocar grandes obras de engenharia. "É um assunto polêmico. Mas temos que debater esse tema porque a bacia amazônica concentra mais de 90% da água doce do Brasil."

A sugestão do Serviço Geológico do Brasil caiu como uma bomba entre os ambientalistas. O arquiteto e mestre em engenharia civil e urbana Renato Tagnin, autor do livro Administrando a Água Como Se Fosse Importante, com Ladislau Dowbor, dispara contra a insólita ideia: "Nossa crise hídrica não é causada pela falta de obras, mas pelo excesso delas".

A saída para eliminar o risco iminente de falta de água, segundo Tagnin, não é erguer mais obras faraônicas, mas preservar nascentes, reflorestar, recriar corredores ecológicos. "A biodiversidade tem bilhões de organismos trabalhando para manter a vida em simbiose. A humanidade precisa dar um fim na sua própria arrogância e aprender com os mais velhos. No caso, a natureza."


Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br

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