Depois de uma carreira de 25 anos no Bank of England, o banco central da Inglaterra — seis deles como economista-chefe da instituição —, o inglês Spencer Dale assumiu o comando do time econômico da petroleira britânica BP em outubro de 2014. Naquele ano, o preço do petróleo havia acumulado queda de quase 49%. De lá para cá, a desvalorização do barril atingiu 61%.
Dale, porém, está convicto de que viverá tempos melhores na BP. Para ele, o preço da commodity se reequilibrará em dois anos, e sua demanda global crescerá 20% até 2035.
Ainda assim, a premissa dele é que, em duas décadas, o protagonismo do setor de energia estará com o gás, combustível que mais crescerá na seara dos fósseis, e sobretudo com as fontes renováveis eólica e solar — que competirão em pé de igualdade com as energias poluentes sem nenhum subsídio (nessa seara, a BP conta apenas com três usinas de etanol no Brasil e 16 parques eólicos nos Estados Unidos).
Essas expectativas estão embasadas no BP Outlook Energy 2016, um dos mais abrangentes estudos sobre o futuro do mercado de energia. Realizado por um time de especialistas da empresa desde 2011, hoje sob o comando de Dale, o levantamento é um norte para investidores mundo afora. Da Suíça, o economista concedeu a EXAME a entrevista a seguir.
EXAME: Quais mudanças no mercado de energia mais surpreenderam a BP nos últimos anos?
Spencer Dale: Muita coisa mudou, sobretudo nos últimos quatro anos. O crescimento do gás e do óleo de xisto nos Estados Unidos foi bem maior do que esperávamos. O avanço das renováveis também surpreendeu, principalmente se considerarmos a produção de energia solar e eólica. Os custos dessas fontes caíram numa velocidade imprevista.
EXAME: Em que medida o portfólio da BP vem se adaptando a esse cenário?
Spencer Dale: BP tem reduzido o peso das operações em petróleo e aumentado sua participação em gás natural. Há dez anos, 60% de nossos negócios em fósseis estavam concentrados em petróleo. O gás respondia por 40%. Hoje, a proporção chega a 50% para cada um deles e, nos próximos cinco ou dez anos, o gás deverá responder por 60% dos negócios em fósseis.
Nossas projeções mostram que o gás natural registrará crescimento global acumulado de 44% até 2035. Trata-se do avanço mais rápido ao longo dos próximos 20 anos na categoria dos fósseis, e com um diferencial importante: é um combustível mais limpo, em termos de emissões de gases de efeito estufa, do que o petróleo.
EXAME: Como o atual patamar do preço do petróleo afetará a indústria no longo prazo?
Spencer Dale: O mercado de petróleo responde às quedas de preços como qualquer outro. A baixa está estimulando uma demanda mais forte e, ao mesmo tempo, freando a produção. No ano passado, o incremento da demanda foi de 1,9 milhão de barris por dia.
Nosso entendimento é que o cenário vai se reequilibrar nos próximos dois anos. Os mercados de commodities são cíclicos. Simples assim. Em 2004, quando a demanda saltou, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) aumentou a produção. Durante a crise de 2008 e 2009, diante de uma queda brusca no valor do barril, a Opep cortou a produção e, de novo, os preços se estabilizaram.
O problema é que meu telefone não para de tocar. São pessoas querendo saber quando o preço do barril vai começar a subir e a respostá é: eu não sei. Aprendi a não fazer estimativas de preço para o petróleo. Prevemos que, até 2035, a demanda global pela commodity terá crescido 20%. E esse aumento será atendido principalmente pelos Estados Unidos, com o óleo de xisto, pelo Canadá, com as areias betuminosas, e pelo Brasil, com o pré-sal.
EXAME: O pré-sal é viável na conjuntura atual de redução dos investimentos da Petrobras?
Spencer Dale: Nossa expectiva de que o Brasil se tornará um exportador líquido de energia a partir de 2020 se mantém. Considerando tanto a produção de petróleo e gás quanto as fontes hidrelétrica, nuclear e também as renováveis, a oferta energética no país superará a demanda. Em números, nós vislumbramos que, até 2035, o consumo de energia no Brasil crescerá 45%, enquanto a oferta subirá 90%.
EXAME: Há quem afirme que a exploração dos fósseis chegará ao fim em cerca de 30 anos para dar lugar às renováveis. Como o senhor vê esse tipo de previsão?
Spencer Dale: Não temos cenários que ultrapassem 2035 — 20 anos são suficientes para vislumbrar as mudanças importantes. O fato é que a agenda da energia não é mais apenas do mercado de energia, mas uma agenda que também pertence aos governos, às organizações não governamentais e à sociedade civil.
O consumo global de energia deverá crescer 34% até lá, como reflexo de uma população mundial que chegará a quase 8,8 bilhões de pessoas. Além disso, será necessário responder ao crescimento das economias asiáticas e ainda manter a temperatura do planeta em equilíbrio. Não há como privilegiar um lado em detrimento de outro.
Minha aposta é que o futuro da energia é misto: teremos uma matriz energética cada vez mais diversificada. Nós estimamos que o carvão poderá chegar a uma fatia de apenas 25% do consumo primário de energia em todo o mundo em 20 anos, a menor desde a Revolução Industrial.
Ao mesmo tempo, os custos de produção das fontes eólica e solar continuarão a cair com o aumento da capacidade instalada. Por volta de 2035, essas fontes terão crescido 285% em relação ao ano passado e estarão aptas para competir com o petróleo e o gás sem nenhum subsídio.
EXAME: A desaceleração dos investimentos em carvão é o maior sinal dessa diversificação atualmente?
Spencer Dale: Na última década, o carvão foi a fonte de energia fóssil que mais avançou, puxada pelo crescimento vertiginoso da China. No entanto, nos próximos 20 anos o cenário se inverterá. O carvão será a fonte fóssil que menos vai crescer e será substituído em importância pelo gás natural. Temos visto os chineses desistirem de explorar algumas minas neste momento de desaceleração econômica, mas o fator ambiental também é uma das razões para essa transformação em curso.
EXAME: A adoção de um mercado de carbono em nível global está sendo considerada nessa projeção de futuro?
Spencer Dale: Com certeza. Ainda que a uma taxa anual menor do que vimos nas últimas duas décadas, as emissões de gases de efeito estufa deverão crescer 20% até 2035. Um preço significativo sobre a tonelada de carbono emitida é crucial para que alcancemos as metas traçadas na conferência de Paris.
Esperamos que esse valor gire em torno de 100 dólares por tonelada (em valores de 2015) entre os países da OCDE e pelo menos entre 40 e 50 dólares por tonelada nos países restantes. Se esse senso de urgência em torno da questão climática se traduzir em políticas concretas, as implicações para a demanda dos combustíveis fósseis no longo prazo serão significativas.
Fonte: http://exame.abril.com.br/
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