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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Petróleo vira investimento de alto risco

jeremy leggett geologist
O risco de investir em novos projetos de produção de petróleo, carvão e gás é muito grande diante do compromisso dos governos de conter o aquecimento da temperatura em 2°C. O alerta é do geólogo britânico Jeremy Leggett, renomado especialista em energia renovável. Com o preço de energias alternativas em queda e os investimentos nessas fontes em alta, projetos em combustíveis fósseis se tornam menos atraentes e mais arriscados. Nesse contexto, explorar petróleo em novas fronteiras geológicas, como o Ártico ou o pré-sal, são obras ambientalmente temerárias e com forte probabilidade de resultar em perda de dinheiro.
Para ele, o jogo acabou para a indústria do petróleo, carvão e gás. "É game over", diz. A questão para o empresário, ex-ativista e autor de quatro livros, é saber em quanto tempo isso irá acontecer. No caso do Brasil, ele recomenda que o país tenha planos alternativos ao pré-sal.

Investidor vai dar "game over" para combustível fóssil

Se os governos estiverem falando sério em conter o aquecimento da temperatura em 2°C, o risco de se investir em novos projetos de petróleo, carvão e gás é muito grande. Com o preço de energias alternativas em queda e os investimentos nessas fontes em alta, projetos em combustíveis fósseis se tornam menos atraentes e mais ameaçados. Explorar petróleo em novas fronteiras geológicas, como o Ártico ou o pré-sal, são obras ambientalmente temerárias e com forte probabilidade de perder dinheiro. Esse cenário é do geólogo Jeremy Leggett, 60, um dos mais renomados especialistas em energias renováveis do Reino Unido.
Leggett diz que o jogo acabou para a indústria do petróleo, do carvão e do gás: "É game over". A questão, para o empresário, ex-ativista e autor de quatro livros sobre energias renováveis é saber em quanto tempo isso irá acontecer. "Quem for furar poços no Ártico estará jogando dinheiro fora", acredita. "O Brasil deveria ter planos alternativos" ao pré-sal, sugere. "Os investidores estarão saindo do carbono."
No começo da vida profissional, Leggett estava do outro lado do balcão - pesquisando, entre outras coisas, depósitos de xisto, financiado pela BP e pela Shell. Convencido da responsabilidade da queima de fósseis na mudança climática, largou a indústria e tornou-se consultor científico do Greenpeace. Em 1998 fundou a Solarcentury, empresa de energia solar com receita anual de 200 milhões de libras. É também presidente do think tank britânico Carbon Tracker, que mapeia os investimentos das empresas de petróleo, gás e carvão ao redor do mundo e onde se cunhou o conceito de "bolha de carbono", uma metáfora para o risco que estes investimentos têm para os mercados de capitais.
Leggett falou ao Valor em Abu Dhabi, numa região que enriqueceu com o petróleo, mas agora se interessa pelas renováveis. Ele está otimista com o acordo climático que, se espera, os países assinem em Paris, no final do ano. Não pode haver novo fracasso, diz. "Se acontecer de novo, estamos mortos". A seguir, trechos da entrevista:

Valor: Maria van der Hoeven, diretora da Agência Internacional de Energia, diz que para muitos países os combustíveis fósseis são um imperativo de desenvolvimento. E que sistemas para sequestrar carbono, os CCS, planejados pelas empresas que exploram combustíveis fósseis, não são mais ficção científica.

Jeremy Leggett: Nunca foram ficção científica. A questão é: qual o custo econômico dos CCS? Há 13 grandes projetos de CCS hoje em operação no mundo. Teriam que ser milhares para haver redução significativa das emissões de gases-estufa. Mesmo se atingirem escala industrial e forem milhares, retirarão apenas uma fração de CO2 do que seria necessário.

Como se convencem países que têm muito carvão ou petróleo a não explorar nesses recursos para salvar o clima no mundo?

Que terão que tentar, mesmo, não usá-los.

O sr. diz que para a indústria do petróleo, do carvão e do gás, o jogo acabou. Por quê?

Por duas razões. A primeira é o custo elevado do capital para novos projetos em combustíveis fósseis. A exploração está ficando cada vez mais cara. A outra é a forte queda nos custos das alternativas, particularmente energias solar e eólica. Se os governos fizerem o que dizem que vão fazer para limitar o aumento da temperatura em 2°C, isso significará descarbonizar o sistema energético por volta de 2050. Quando digo que o jogo acabou, não quero dizer que isso irá acontecer amanhã, no ano que vem ou em 10 anos.

O que quer dizer, então?

Falo no sentido de retirada, de recuo. Porque pode-se ver o fim chegando. Há evidências também em algumas grandes empresas de energia. A primeira, a E.On, dividiu seu negócio de energia e separou as fósseis. Com isso disse que seu futuro está nas renováveis, na conservação de energia, nas redes inteligentes, em seu pacote verde. E que seus ativos fósseis serão embalados em uma empresa separada, que, basicamente, começará a diminuir. Isso acontece no mundo das concessionárias de energia, mas acredito que é só uma questão de tempo para se espalhar pelo mundo do petróleo e gás.

Quanto tempo?

Em uma entrevista recente me fizeram esta pergunta e respondi "logo". Não sei quanto tempo, não penso que aconteça este ano, mas em alguns anos. No dia seguinte à entrevista recebi vários e-mails. Um deles, de um ex-executivo da BP, dizia: "Acho que vai ocorrer em cinco anos."

E o que isso implica?

O que quero enfatizar é o que os executivos do setor dizem, "Ok, não temos futuro com combustíveis fósseis. Mas não conseguiremos fazer a transição da noite para o dia, ou em um ano, em cinco ou em 10 anos. Em 35 anos estaremos longe dos fósseis." O que significa é que precisamos de uma nova estratégia de crescimento focada em energias verdes.

Como estaremos em cinco ou dez anos?

Ainda estaremos queimando fósseis, mas em um mundo que, acredito, não estará mais buscando novas reservas. Estaremos queimando fósseis como uma ponte para um futuro de baixo carbono. Mais de 190 países estão buscando um acordo em Paris, no fim deste ano. É isso o que quero dizer. Não é algo tão radical assim.

Não?

Veja a Alemanha. As estatísticas de 2014, mesmo não oficiais, dizem que a participação de renováveis na matriz energética alemã está em 27%, e continua subindo. Vento e sol estão se tornando a maior fonte de eletricidade na Alemanha, perdendo ainda para o carvão. Mas, se continuar assim, em 2041 a Alemanha terá alcançado sua meta de ter 80% de energias renováveis em seu mix e não em 2050, como previsto antes.

Se o custo dessas tecnologias cai tanto, quais os obstáculos para que se espalhem mais rápido?

Principalmente culturais. Eu fui da indústria do petróleo e gás, conheço o setor. Há também uma questão de gênero na liderança dessa indústria: são sempre sujeitos mais ou menos da minha idade, perto da aposentadoria, tocando as coisas do mesmo jeito. Fizeram isso a vida toda e não são fáceis de serem persuadidos para mudanças que são necessárias. Isso também é encorajador, por outro lado, porque esse jeito de pensar pode morrer logo, assim que essas pessoas se aposentarem.

Mas ainda se ganha muito dinheiro com combustíveis fósseis.

Claro. Mas veja como este cenário está se mexendo rapidamente: há um ano não havia grandes desinvestimentos no setor. Agora há US$ 50 bilhões que estão deixando de ser investimentos em combustíveis fósseis, e este ano esse volume vai crescer mais. Agora mesmo a Nordea, grande fundo de investimentos europeu, pediu a seus investidores que saiam do carvão. São notícias recentes, todos os dias há algo assim. Os mais jovens dirão que este é um assunto moral e que não temos que ficar tão tristes. Acredito que haverá uma pressão geracional nos debates nos conselhos das empresas. Na nossa opinião, quem for furar poços no Ártico estará jogando dinheiro fora. Se quisermos pagar dividendos aos acionistas, o caminho não será esse.

E quanto à extração em águas profundas, como o pré-sal?

A Petrobras tem que levantar US$ 221 bilhões nos próximos 5 anos para explorar o pré-sal. Se esse dado procede, é o maior crédito de investimento de que já ouvi falar, de uma única empresa. Sem chances! Os investidores estarão saindo do carbono. Até agora, o volume de créditos de investimento cancelado em projetos de petróleo e gás no mundo é de US$ 170 bilhões, e está crescendo. Não sei se a Petrobras conseguirá levantar estes recursos nas condições atuais do mercado.

A produção do pré-sal já é de 700 mil barris dia equivalentes, somando gás e petróleo. É quase um terço do total produzido pela Petrobras. Mesmo assim o sr. acha que é um investimento de risco?

Sim. A maioria das supostas reservas são muito profundas, longe da costa, tecnicamente difíceis de serem exploradas e muito caras. Veja a condição do pré-sal, ninguém fez isso antes. É uma fronteira técnica. O sal não é uma rocha, ele se move e há que se extrair de algo assim. É, portanto, um investimento propenso a contratempos e desastres. Me lembra muito o caso do campo de Kashagan, no Cazaquistão, onde investiram US$ 50 bilhões em uma empreitada que irá perder dinheiro.

Qual caso?

Em 2000 foi descoberto no Mar Cáspio um enorme campo de petróleo. Juntou em um consórcio grandes empresas que diziam que seriam precisos US$ 10 bilhões para fazer o petróleo jorrar, em 2005. Agora, em 2015, a produção ainda tem problemas e a conta do investimento está em US$ 50 bilhões. Ali, as condições técnicas são difíceis, mesmo se o petróleo está em águas rasas. Agora dizem que levará mais dois anos para o petróleo chegar ao mercado. Isso irá acontecer? E a que custo?

E o desinvestimento em combustíveis fósseis?

É uma tendência forte e está provocando danos à imagem do setor. Se estivesse no setor do petróleo e gás, estaria preocupado com isso. Esta pressão da capitalização, neste modelo de negócios, é mortal. E é por isso que penso que alguma destas empresas irão quebrar e um grupo de investidores irá dar um golpe, recuar dos investimentos e copiar o que fez a E.On. Aí, sim, será o fim do jogo.

O senhor acha que o Brasil devia fazer o quê com o pré-sal?

Ter planos alternativos. Veja o que aconteceu no Golfo do México [com a empresa britânica BP]. Era uma proposta relativamente simples, feita por uma empresa altamente sofisticada, perfurando um lugar profundo, mas não tanto. Sofreram um vazamento de 3 milhões de barris e não puderam pará-lo por semanas. Tiveram de enfrentar um desastre ecológico e de imagem de grandes proporções, e a empresa se tornou a mais odiada da América do Norte. Se forem ao Ártico e ocorrer a mesma coisa, não poderiam parar o vazamento nunca. Pode imaginar o cenário em que ninguém tocaria na empresa, nenhum investidor? Seria um horror, dia após dia, sem conseguir parar o vazamento? Os franceses da Total viram o risco. Seu CEO, Christophe de Margerie, que infelizmente morreu recentemente, dizia: "Nós não vamos ao Ártico. É muito perigoso".

E o Brasil e o pré-sal?

O que posso dizer é que há fortes probabilidades que indicam que todo investimento substancial que for para o Pré-Sal será jogado fora. Não posso ter certeza, mas olhe em volta no mundo. E mesmo que dê certo, será caro e haverá outras opções para as pessoas. Analistas vêm dizendo cada vez mais que está chegando o momento em que carros elétricos poderão ser uma alternativa viável. Em 2020, estudos indicam que poderemos ter telhados com painéis fotovoltaicos, carros elétricos no quintal e baterias que podem dar conta de todo o consumo de eletricidade. Isso daqui a apenas cinco anos, com o custo dos investimentos recuperado em cinco ou seis anos. Veja a beleza dessa ideia: todos os equipamentos de sua casa são movidos pela eletricidade produzida por você mesma e estocada em uma grande bateria. O cenário energético global está mudando velozmente. O melhor é investir em alternativas, copiar o que a Alemanha está fazendo, o que está acontecendo na China. Há boas opções no Brasil também.

Mas até na Alemanha há problemas em administrar a rede com o fornecimento imprevisível feito por consumidores.

Há problemas, mas podem ser solucionados. Redes nacionais com o mix de renováveis poderão ter ajuda de baterias. Pode haver prédios em situações completamente fora da rede. Pode haver redes comunitárias, novas maneiras de se transportar eletricidade. Mas, claro, há muitas pessoas apontando problemas com renováveis porque querem prolongar o uso dos combustíveis fósseis. Há 40 anos colocamos gente na Lua e hoje não podemos equilibrar a entrada de renováveis na rede elétrica? Não engulo isso.

O sr. diz que a queda no preço do petróleo pode arrebentar a exploração do gás de xisto nos EUA e potencialmente causar impacto no sistema financeiro.

O custo de exploração [do xisto], embora variável, geralmente é alto, e o setor estava lutando com o preço do barril em US$ 100. Agora, em US$ 50, está contando as perdas. Para mim, tudo isso lembra a crise financeira, aquela bolha de mortos. Em janeiro, uma pequena empresa de petróleo do Texas já teve de pedir falência. Agora os bancos pressionam para que a indústria continue explorando. É como a corrida da rainha em "Alice no País das Maravilhas", onde todos correm, cada vez mais rápido, para continuar no mesmo lugar. Se os bancos começarem a reclamar o pagamento de seus empréstimos, muitos irão à falência.

A Agência Internacional de Energia diz que a queda nos preços terá mais impacto na Rússia do que nos EUA. Concorda?

O quadro é terrível para a Rússia, mas pode levar à falência boa parte do setor do petróleo de xisto dos EUA neste ano.

Como vê o impacto nas energias renováveis?

O dano que os preços baixos fazem aos combustíveis fósseis é muito pior do que os reveses para as energias renováveis.

Pode criar impacto negativo no clima e nas negociações?

E trazer o carvão de volta à cena? Mas aí, novamente, a situação se repete, principalmente com as novas minas. Está se investindo em algo, por um longo período - o tempo de uma mina ou de uma termelétrica - e com todas as opções de energia verde ficando mais baratas. Não sei se este cenário é ruim para o clima. É preciso que o gás de xisto colapse, que as pessoas percebam que é uma ilusão, um fenômeno único e de curto prazo, dos Estados Unidos.

Por que o sr. pensa assim?

Se outros países sonharem em explorar gás e óleo de xisto, incluindo o Reino Unido, poderemos dar adeus à ideia de manter o aquecimento em 2°C. Desde que, claro, haja dinheiro para isso. Há tanto gás e petróleo de xisto em outros países como nos EUA? Há questões políticas também, a lista é longa. No Texas e em Dakota do Norte foi possível explorar, mas tente fazer o mesmo em países europeus. Pode começar uma guerra.

Está se falando mais dos ativos imobilizados, os chamados "stranded assets"?

Sim. Investidores e governos que querem saber mais. Em dezembro, Edward Davey, ministro da Energia e Mudança do Clima, falou na bolha de carbono [o risco de se investir em combustíveis fósseis e de, no futuro, não se ter o retorno esperado] e que iria perguntar ao Banco da Inglaterra sobre o risco de fundos de pensões britânicos que investem em projetos de combustíveis fósseis e qual o plano para protegê-los. Se o BC está mapeando os investimentos de fósseis dos investidores, isso equivale a dizer que deve haver uma ameaça aos mercados de capital.

Quais são suas expectativas para o acordo de Paris?

Estou otimista.

Mas o que se obteve na conferência de Lima foi tão fraco...

Mas estamos na direção certa.

Mesmo com os países assumindo compromissos apenas voluntários, o que equivale dizer, fazendo o que querem?

Mas, se existir um mecanismo regular de revisão, mesmo se em Paris não chegarmos a cortes que garantam os 2°C, não será tarde demais. Para mim, tem a ver com a direção da viagem, enviar uma direção aos mercados. Em Copenhague enviou-se um grande sinal negativo e tudo recuou. Não podemos ter isso de novo. Se ocorrer, estamos mortos.

Há pontos que não andam. Não há e nunca houve transferência de tecnologia, por exemplo.

Fui para a África muitas vezes e vi que algumas coisas acontecem de qualquer jeito. Em países africanos você não vê linhas de telefone, mas todo mundo tem celular. Ocorrem saltos às vezes. Talvez com energia aconteça o mesmo. Por isso é que insisto em ser cuidadosamente otimista.

Há mudanças no Golfo Pérsico, rico e produtor de petróleo?

São países erguidos no petróleo e totalmente abertos para as energias renováveis. E não apenas por causa do clima. Os sauditas estão sob pressão para usarem mais energia solar porque estão queimando muito petróleo em usinas elétricas. Estão no deserto, incinerando suas fortunas, queimando as reservas para produzir eletricidade. A demanda está crescendo, as exportações caindo e se não pararem com isso, antes de 2030, em menos de 15 anos, não terão mais nada para exportar.
Fonte: http://geofisicabrasil.com

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