Durante os séculos, a percepção sobre a importância do mar acompanhou a evolução do conhecimento científico, imprimindo, nas distintas sociedades, rumos diversos à dinâmica dos Estados. Os Estados mais ricos e militarmente poderosos, chamados hegemônicos, sempre dominaram os mares. E ainda dominam, porque tanto em sentido amplo quanto estrito conhecem o mar mais que outros.
O fim da guerra fria impôs um novo paradigma na relação entre Estados dos antigos blocos antagonistas. O comércio intensificou-se ainda mais pelo mar, atingindo hoje cerca de 90% do volume total do comércio global.
Cresceu também a importância do aproveitamento de recursos como a pesca, que fez aumentar o número de disputas por delimitação de fronteiras no mar diante dos tribunais internacionais nos últimos 20 anos, a exemplo da recente disputa no Mar do Sul da China.
Na Comissão de Limites da Plataforma Continental, em Nova York, encontram-se aproximadamente 80 pedidos de países para avaliação da extensão do limite da plataforma continental (leito marinho) além das 200 milhas marítimas (cerca de 370 km). Em jogo está, principalmente, a soberania sobre recursos minerais valiosíssimos depositados em profundidades abissais. São reservas estratégicas incalculáveis para gerações futuras: diamante, manganês, zinco, ouro, prata, cobre, cobalto e outros.
No âmbito privado, dois consórcios multinacionais sediados nos Estados Unidos competem pelo mercado de lançamento de satélites a partir de antigas plataformas de petróleo adaptadas, estrategicamente posicionadas no alto mar. Trabalham para os antigos países da era espacial e clientes privados. Um mercado de US$ 330 bilhões em 2014, segundo estudo da Space Foundation de 2015.
Empresas europeias e japonesas investem em pesquisa para a mineração dos grandes fundos marinhos a mais de 4 mil metros de profundidade, a partir de uma tecnologia mais sofisticada e cara que a tecnologia de petróleo ou mesmo a espacial. Um estudo da Comissão Europeia de 2012 estimou que em 2020, 5% de todos os minerais do mundo, incluindo cobalto, cobre e zinco, deverão vir dos fundos oceânicos, podendo atingir 10% em 2030.
No campo da biotecnologia e da nanotecnologia, empresas americanas, europeias e asiáticas investem no desenvolvimento de novos produtos farmacêuticos, cosméticos e de tecnologia. Dois exemplos ilustram bem este potencial: o antiviral acyclovir foi obtido a partir de esponjas do mar do Caribe; a trabectedina, usada contra câncer do ovário, foi a primeira droga desenvolvida a partir de um pequeno animal marinho.
Na aquacultura, subaproveitada no Brasil, 90% das empresas da União Europeia são pequenas e médias, empregando diretamente 80 mil pessoas, num mercado global que cresce consistentemente a taxas de 6,6% ao ano segundo a FAO/ONU.
E o que o Brasil tem a ver com tudo isso? Tudo. Ou nada. Depende da nossa percepção sobre a importância do mar, dessa chamada "economia azul", como é conhecida internacionalmente a economia relacionada ao mar, com forte viés na sustentabilidade. Afinal, além do petróleo e gás natural, do "pré-sal", que outras riquezas tem o mar do Brasil?
O Brasil tem uma zona econômica exclusiva com 3,6 milhões de km^2 . Nessa massa d'água, por exemplo, exercemos soberania sobre recursos vivos e produção de energia. Também temos uma área de plataforma continental com semelhantes 3,6 milhões de km^2 , com potencial de atingir 4,5 milhões de km^2 segundo procedimento iniciado na Comissão de Limites da Plataforma Continental em 2004. Isso equivalerá a todo território emerso da União Europeia! Nossos atlas escolares não tratam disso, nem os livros de história. Some-se à essa grandeza os quase 7,5 mil km de litoral.
O curioso é que as cartilhas ensinam que o Brasil é um país continental, mas em sua miopia não percebe que também é um país oceânico. Então, o que se espera de um Brasil oceânico?
Primeiro, espera-se que se deixe apenas para a excelente literatura de Lima Barreto o ônus da percepção obtusa à Policarpo Quaresma que marcou a cúpula do governo federal dos últimos 13 anos em assuntos do mar. A partidarização dos temas do mar, especialmente os de natureza ambiental, alteraram a percepção sobre a importância do mar como um projeto de Estado que deveria ser. Em segundo lugar, no plano interno espera-se dos governos vindouros a
real implementação da Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM) com a renovação e reforço do relevante papel desempenhado desde 1976 pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM).
Ainda no plano interno, será necessário um marco regulatório para atividades e atração de investimentos para a economia azul, com foco na pequena e média empresa onde estão milhares de empregos. Será também preciso fomentar consistentemente a pesquisa científica na academia em relação próxima com as necessidades da indústria e da sociedade em geral sobre o mar. Não há qualquer percepção de inteligência num país desenvolvido que desrespeite ou desconsidere seu mais valioso ativo: seus recursos humanos.
Finalmente, no plano internacional, aguarda-se a formulação de uma política externa (de Estado) para assuntos do mar. Temas como a proteção da biodiversidade além da jurisdição nacional, em sua interdisciplinaridade com a propriedade intelectual, biotecnologia, comércio e serviços, precisam ser considerados à luz da tríplice dimensão da ciência, tecnologia e inovação, sem descuidar da política externa multilateral do Brasil, a fim de não se conduzir o Brasil de volta à troca de espelhos por pau-brasil. Precisamos rapidamente evoluir em nosso conhecimento sobre o mar.
O futuro do Brasil, e do mundo, está no mar.
Fonte: http://geofisicabrasil.com
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