’Tecnofósseis’: acúmulo de lixo eletrônico e outros materiais artificiais nos sedimentos em terra e nos oceanos seria uma das evidências permanentes do Antropoceno - Eurico Dantas / Eurico Dantas
Antropoceno, ou a “idade dos humanos”. O que começou apenas como um conceito nos anos 1980, ganhou corpo na década de 1990 e se popularizou a partir do início dos 2000 pode em breve se tornar oficial, acompanhado de evidências físicas encontráveis ao redor do mundo. Na próxima segunda-feira, Jan Zalasiewicz e Colin Waters — respectivamente presidente e secretário de um grupo de trabalho especial sobre o Antropoceno criado pela Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS, na sigla em inglês) — apresentam durante o 35º Congresso Internacional de Geologia, cuja abertura acontece amanhã na Cidade do Cabo, África do Sul, os últimos resultados da busca por estas marcas deixadas pela Humanidade no planeta.
A apresentação de Zalasiewicz e Waters deverá preceder recomendação à ICS, em um futuro congresso, de que o Antropoceno seja adotado oficialmente, tendo como provável início meados do século XX, época da apelidada Grande Aceleração, a partir da qual a ação humana teria de fato alterado o caminho natural de alguns dos principais sistemas terrestres. E não são pequenas estas mudanças. Em estudo publicado no começo de 2015 na prestigiada revista científica “Science”, um grupo internacional de 18 pesquisadores liderado por Will Steffen, professor da Universidade Nacional da Austrália, do Centro sobre Resiliência de Estocolmo e conhecido defensor da oficialização do Antropoceno, analisou o estado de nove sistemas naturais de escala global considerados fundamentais para a manutenção da vida na Terra e revelou que quatro deles já ultrapassaram a chamada “fronteira planetária” para continuar a fornecer os “serviços ecossistêmicos” dos quais nossa sociedade depende, como o suprimento de água fresca, solos férteis e estabilidade climática.
Ameaça à sobrevivência
Segundo os cientistas, destes quatro sistemas, dois são tão essenciais e estão sofrendo alterações tão grandes que ameaçam a própria futura sobrevivência da Humanidade: a perda de integridade da biosfera, traduzida por um ritmo cada vez mais rápido de extinções; e o clima, afetado por crescentes emissões de gases e outras substâncias causadoras do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2). Já os outros sistemas que também passaram do limite apontado como “seguro” para a estabilidade do planeta são as mudanças no uso do solo, com florestas, savanas e outros biomas que ajudam a regular os processos climáticos e biofísicos da Terra dando lugar a plantações e áreas urbanas; e os ciclos bioquímicos globais do nitrogênio e do fósforo, elementos que compõem boa parte dos fertilizantes usados na agricultura e que acabam nos oceanos, onde criam as chamadas “zonas mortas” ao reduzir a concentração de oxigênio dissolvido na água.
Já no início deste ano, também na “Science”, Zalasiewicz e Waters encabeçaram artigo assinado pelos mais de 30 integrantes do grupo de trabalho especial em que relataram quais seriam as prováveis marcas geológicas do Antropoceno, assim como as discussões sobre quando poderia se estabelecer seu início. Entre elas, por exemplo, estão o que chamaram de “tecnofósseis”, os resíduos de plástico, concreto, alumínio elemental e outros materiais artificiais que estão se acumulando nos depósitos sedimentares em terra e nos oceanos do planeta.
Outros registros importantes apontados então pelos integrantes da comissão são a fuligem e as cinzas da queima de combustíveis fósseis que também encontraram lugar nestes sedimentos, além de se acumularem no gelo das regiões polares a partir do século XVII. Isso sem contar o gelo polar e das geleiras continentais e de altitude que ainda guardam bolhas de ar com níveis de dióxido de carbono (CO2) muito acima dos encontrados em tempos anteriores, subindo gradualmente com o início da Revolução Industrial no século XVIII e disparando a partir dos anos 1950. E ainda os elementos radioativos espalhados globalmente com a explosão da primeira bomba atômica em 1945, reforçados pelas dezenas de testes nucleares realizados nas décadas seguintes, e as já citadas alterações no ciclo de nitrogênio.
‘Sujar as mãos’ para convencer
Mas não será fácil convencer os sisudos integrantes da ICS, mais antigo órgão científico da União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS), a aceitar o Antropoceno como uma época oficial. Acostumados a ver claramente no solo e nas rochas do planeta as transições entre suas muitas eras, períodos e épocas em boa parte dos mais de 4,5 bilhões de anos de História da Terra, muitos duvidam que as evidências da ação humana já tenham literalmente se sedimentado no registro geológico de forma identificável, permanente e indelével, ainda mais no curto período de tempo passado desde a Grande Aceleração.
A começar pelo próprio presidente da comissão de estratigrafia, Stanley Finney, que logo após a apresentação de Zalasiewicz e Waters no congresso na próxima segunda fará sua própria palestra na mesma sessão, com o belicoso título “A errônea busca para definir o ‘Antropoceno’ como uma unidade oficialmente reconhecida da Escala de Tempo Geológico” (em tradução livre a partir do programa científico do evento). Finney, no entanto, teme que a recusa em adotar oficialmente o Antropoceno gere críticas à ICS, em especial de organizações e ativistas ligadas ao meio ambiente e à luta contra o aquecimento global, que nos últimos anos têm usado cada vez mais o termo para chamar a atenção para os problemas que a Humanidade está trazendo ao planeta.
— Sinto-me como um farol com uma enorme onda de tsunami vindo em sua direção — resumiu em recente entrevista ao site da “Science” sobre o assunto.
Zalasiewicz e Waters, por sua vez, reconhecem que este será um trabalho difícil, mas têm confiança de que geólogos ao redor do mundo encontrarão as evidências necessárias para dobrar a ICS.
— Vamos sair e vamos sujar as mãos na busca por seções (de solo) que possamos propôr formalmente (como marca do início do Antropoceno) — concluiu Zalasiewicz, também ao site da revista “Science”.
Fonte: http://geofisicabrasil.com
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