Um excesso global de liquidez e o grande interesse de investidores estrangeiros por energia renovável abrem uma oportunidade para o Brasil atrair capital externo para financiar empreendimentos em um momento em que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) busca parceiros privados no fomento ao setor.
Há uma avaliação praticamente unânime entre investidores sobre a necessidade de capital privado a taxas atrativas para o prosseguimento do exponencial crescimento da energia eólica no Brasil, evitando os impactos da crise econômica sobre o setor, que passou praticamente do zero a 10 gigawatts, ou 7 por cento da matriz, em apenas sete anos.
A opinião também começa a encontrar algum eco no governo, segundo autoridades e especialistas ouvidos pela Reuters ao longo de evento que reuniu o setor no Rio de Janeiro nesta semana.
Uma fonte do governo disse que a ideia de contratos ao menos parcialmente dolarizados para atrair o capital externo é viável e não seria estranha à atual regulação, que já convive com a indexação ao dólar da energia da hidrelétrica binacional de Itaipu e do custo de combustíveis de termelétricas.
De acordo com a fonte, que falou sob anonimato, faria sentido o investidor definir a proporção da receita que quer indexar ao dólar e qual será atrelada à inflação brasileira, desde que mediante o pagamento de um prêmio que variaria de acordo com a parcela dolarizada, como forma de remunerar o risco cambial assumido pelo consumidor nessa operação.
A viabilização de um mecanismo desses envolveria o Ministério de Minas e Energia e o da Fazenda, disse a fonte, que também não espera uma oposição da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) à ideia.
O presidente da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Luiz Barroso, disse que ainda não há nenhum estudo nesse sentido, mas que o tema precisa ser analisado, ainda mais diante de um contexto em que o Brasil busca atrair investidores estrangeiros para infraestrutura ao mesmo tempo em que avalia reduzir o papel do BNDES no setor.
O chefe de project finance para energia do Banco Santander, Edson Ogawa, estimou que as taxas atrativas dos financiamentos em dólar sem risco cambial poderiam reduzir o preço final dos leilões de energia em cerca de 10 por cento, com custos menores até que os do BNDES.
Outros países latino-americanos que realizaram leilões com contratos dolarizados, como o Chile, obtiveram forte competição nos certames, o que forçou as tarifas para baixo.
"Lá fora o cenário é de alta liquidez, juros baixo e poucos projetos a serem financiados, enquanto no Brasil vivemos exatamente o oposto... se não acessarmos isso, estaremos cometendo um grande equívoco", afirmou Ogawa.
"Acho que isso poderia, sim, ser uma maneira", afirmou a chefe do departamento de energias alternativas do BNDES, Lígia Chagas.
Segundo ela, o banco trabalha na redefinição de sua política de fomento ao setor de energia, que deverá passar pela atração de bancos privados para também participarem do financiamento de longo prazo.
Mas uma participação mais relevante dos bancos nacionais nesses empréstimos foi praticamente descartada por representantes de Santander e Itaú BBA presentes no encontro eólico.
A professora da Fundação Getútlio Vargas (FGV) e ex-diretora da Aneel Joísa Dutra disse que o tema "merece uma discussão cuidadosa", dada a transferência do risco cambial para o consumidor.
Mas a fonte do governo avaliou que esse risco poderia ser limitado por mecanismos como a indexação parcial da receita ao dólar somente durante o período de amortização dos financiamentos tomados pelos investidores, e não por todo o contrato, por exemplo.
Indústria em alerta
As sinalizações do governo do presidente Michel Temer de uma gestão pró-mercado e com menor papel do BNDES têm gerado incertezas principalmente entre os seis produtores de turbinas eólicas que investiram em fábricas locais para atender políticas de conteúdo nacional do banco --GE, Acciona-Nordex, Gamesa, Vestas, Wobben e WEG.
Em troca, as empresas viram o banco de fomento aprovar 20,8 bilhões de reais em financiamentos apenas para seus clientes do Nordeste nos últimos anos.
Mas financiamentos externos abririam para os investidores um amplo mercado global de turbinas a preços mais competitivos, incluindo máquinas produzidas em outros países pelos mesmos fornecedores da indústria local, o que fatalmente levaria ao fechamento de fábricas no Brasil, disse à Reuters o secretário-geral do Conselho Global de Energia Eólica (GWEC, na sigla em inglês), Steve Sawyer.
"Você pode ter mais importações, mas também terá mais competição no mercado, e claro que isso significa que você eventualmente pode ter menores tarifas", afirmou.
O presidente da fabricante dinamarquesa Vestas no Brasil, Rogério Zampronha, defendeu uma dolarização parcial nos contratos, mas ao mesmo tempo a manutenção das políticas do BNDES para o segmento.
"O BNDES foi o indutor, a indústria veio por conta de certas condições que se deixam de existir podem mudar como se joga o jogo", afirmou.
Ligia, do departamento de fontes alternativas do BNDES, tentou acalmar os ânimos da indústria enquanto não saem as novas diretrizes de fomento.
"Essa transição vai ter que ser feita de forma suave, gradativa... mesmo que haja algum componente em dólar que futuramente seja discutido, ou que sejam atraídas outras fontes de capital, o BNDES vai continuar sendo um importante e significativo agente... os investimentos realizados não foram para nada... estamos olhando para isso", garantiu.
Fonte: http://www.tnpetroleo.com.br
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