A desmaterialização da oferta global de bens e serviços foi a mais importante promessa da Rio+20 e pode ser considerada a quintessência da economia verde. A incorporação anual de 80 milhões de pessoas a novos mercados de consumo representa uma pressão sobre o uso dos recursos, que se exprime, desde o início do milênio, em inédita volatilidade dos preços das matérias-primas minerais e agrícolas, bem como da energia.
O bem vindo aumento deste novo contingente exige que se reduza ao mínimo o uso de materiais, de energia e de recursos bióticos em que se apoia hoje a economia mundial. O avanço das nanotecnologias, da robótica e do poder computacional é o fundamento para que mais utilidades sejam obtidas com o emprego de cada vez menos recursos. Até aqui, entretanto, a ideia de uma sociedade pós-materialista está muito mais nos livros dos especialistas do que na vida real.
O mundo contemporâneo está cada vez mais distante e não mais próximo da desmaterialização de suas bases econômicas. Vaclav Smil, professor emérito da Universidade de Manitoba (Canadá), é autor de mais de trinta livros e 500 artigos sobre temas socioambientais e foi considerado pela Foreign Policy como um dos cinquenta maiores pensadores globais. Seu mais recente livro faz um fascinante apanhado histórico sobre o uso de materiais em sociedades pré-industriais para então mostrar como as transformações no próprio mercado de consumo modificaram totalmente o mundo material e, portanto, o uso social dos recursos.
Foi durante o século XX que estas transformações permitiram ampliar o conforto material dos que tinham acesso a seus produtos e, ao mesmo tempo, passaram a exercer pressão crescente sobre o meio ambiente. Em 1930, um típico domicílio norte-americana possuía entre seis e oito lâmpadas elétricas, um rádio e um aquecedor. Em 1960, menos de 20% dos domicílios norte-americanos possuíam máquina de lavar louça, de secar roupa ou um aparelho de ar condicionado. Não havia fornos de micro ondas, telefones celulares, computadores ou SUVs (sport utilities vehicles). Hoje, o acesso a estes bens de consumo chega a bilhões de pessoas no mundo, mas de forma altamente desigual.
Para Smil, o barateamento destes produtos como resultado do progresso técnico coloca as sociedades contemporâneas diante de um impasse incontornável: é impossível generalizar o padrão de consumo que marca a afluência atual ao conjunto da espécie humana, sem que isso comprometa de irreversivelmente a oferta dos serviços ecossistêmicos de que dependemos todos. O problema não está no progresso técnico cujo ritmo é extraordinário, o que conduz, claro, à redução na quantidade de materiais e de energia para a fabricação de bens. O problema é que globalmente, esta redução é apenas relativa.
A desmaterialização, é verdade, se generalizou. O Boeing 747 lançado em 1969 exigiu 75 mil desenhos, que consumiam papel, tinta lápis, borracha e toda uma estrutura de distribuição destes produtos. Hoje estes projetos contam com design assistido por computadores, com produtividade muito maior. Economia de materiais? Sim, no que se refere a instrumentos de desenho. Mas estes materiais foram substituídos pela infraestrutura do mundo eletrônico, que se apoia em compostos tóxicos e cuja reciclagem é deficiente.
Em 1980, uma lata de alumínio pesava 19 gramas e a produção era de 41,6 bilhões de unidades. Em 2010, o peso cai para 13 gramas. Mas neste ano, foram vendidas 97,3 bilhões de unidades. Mesmo com um progresso técnico desta magnitude, a desmaterialização relativa a cada lata de alumínio se exprime no aumento na quantidade absoluta de consumo deste material. Um telefone celular em 1990, quando onze milhões de unidades foram comercializadas, pesava 600 gramas. O peso caiu para 118 gramas em 2011, quando seis bilhões de assinantes usavam o aparelho. E é importante salientar que nem sempre a desmaterialização ocorre, sequer em termos relativos: é o caso dos automóveis que, nos EUA, do início de 1990 até a crise de 2008, ficaram cada vez mais pesados. É o caso também do tamanho dos domicílios norte-americanos. Sua área média, que era de 100 metros quadrados em 1950, quando as famílias possuíam 3,7 membros, passa a 220 metros quadrados em 2005, apesar de o tamanho das famílias ter caído para 2,6 membros. A área ocupada per capita triplicou neste período.
O mesmo raciocínio aplica-se às emissões de gases de efeito estufa: cada unidade de produto e cada unidade de valor são oferecidas com uso decrescente de energia e com menos emissões. O que não impediu que as emissões globais derivadas do uso de fósseis aumentassem de 1,6 gigatoneladas (Gt) de carbono em 1950 para 6,8 Gt em 2000. E entre 2000 e 2010, o ritmo do aumento se intensificou: só nesta década, ele foi de 35% e as emissões chegaram a 9,13 Gt.
O último capítulo do livro oferece exemplos inspiradores sobre o poder de novas tecnologias digitais, como a impressora em três dimensões, para reduzir o uso de materiais. Mostra também como o design é fundamental para promover o reaproveitamento do que hoje é simplesmente jogado fora: só nos EUA 80 mil toneladas de plástico vão para aterros a cada dia. Novos materiais também serão decisivos nesta direção.
Mas o que está em questão, mostra Smil na conclusão, é a própria natureza das economias modernas e a ambição que orienta a esmagadora maioria dos economistas e dirigentes políticos: o crescimento econômico. “Buscar o crescimento incessante é obviamente uma estratégia insustentável”. E no entanto, conclui Smil, é altamente improvável que os dirigentes das economias modernas e os especialistas que os assessoram tenham a sensatez de interromper as promessas de que seus habitantes consumirão sempre e cada vez mais. Mesmo que sejam crescentes as evidências de que entre aumento de consumo e ampliação do bem-estar a distância pode ser imensa.
Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br
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