Em novembro de 2007, a Petrobras divulgou a descoberta de petróleo no campo de Tupi, na Bacia de Santos. Era a primeira de uma série de novas reservas do pré-sal anunciadas pela estatal nos meses subsequentes. Eram tempos de valorização acentuada do barril, um movimento exacerbado pela demanda crescente da China e pela aposta de investidores de que a matéria-prima subiria ainda mais.
Em fevereiro de 2008, o barril do tipo Brent, o mais negociado no mercado europeu, superou a marca de 100 dólares pela primeira vez. Cinco meses depois, atingiu o seu valor máximo, vendido por 142 dólares. O governo e também os analistas fizeram as contas e divisaram um futuro encantado, de exportações bilionárias de petróleo e uma enxurrada de dólares ingressando no Brasil.
Na quinta-feira passada, o preço do barril chegou a 69 dólares. A fome mundial pelo petróleo arrefeceu. Ao mesmo tempo, houve um aumento expressivo na produção mundial, sobretudo nos Estados Unidos, graças ao boom do óleo e do gás extraídos das rochas de xisto. Por fim, as cotações desabaram depois de a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) ter decidido não reduzir o nível atual de oferta de seus associados. Trata-se de mais uma notícia extremamente negativa para a indústria petrolífera nacional, já em estado crítico após anos de manipulação de preços dos combustíveis, sem falar no escândalo do petrolão. Se a tendência de queda nas cotações internacionais se prolongar, como anteveem alguns dos melhores analistas de renome mundial, a rentabilidade da Petrobras será duramente atingida. O custo de produção de um barril do pré-sal varia de acordo com o campo, mas é estimado em 50 dólares. "A queda do preço do barril compromete os investimentos no pré-sal e coincide com um momento em que a estatal está com a dívida muito elevada e um plano de negócios ambicioso já comprometido", afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). "A sua dívida líquida está em torno de 240 bilhões de reais, sendo 80% em moeda estrangeira."
A Petrobras se vê no pior dos mundos. Demorou a explorar as novas jazidas enquanto o preço era favorável, porque precisou aguardar que o governo executasse mudanças na legislação do setor e foi obrigada a fazer contratos de equipamentos de conteúdo nacional de fornecedores muitas vezes novatos no setor. Pagou caro para investir, e receberá menos na hora de vender. O governo chegou a suspender por cinco anos os leilões para a exploração das reservas. Perdeu a janela dos preços favoráveis. A euforia despertada pela corrida do "ouro negro" também levou, em 2010, à elaboração de um plano de investimentos quinquenal mais ambicioso que o da líder mundial do setor, a americana Exxon. Especialistas alertaram, em vão, para o fato de a empresa estar assumindo os riscos de executar "o maior programa de investimento do setor privado da história". Em 2011, um relatório do departamento de energia dos Estados Unidos já advertia: "O crescimento da produção do pré-sal é incerto, dados os desafios financeiros, regulatórios e operacionais envolvidos".
O pré-sal tomou-se realidade, mas o avanço total na produção ficou bem aquém das previsões. Das 45 plataformas de exploração que a Petrobras pretendia adquirir segundo o planejamento feito em 2010, apenas 23 estão em alto-mar. "A Petrobras nunca teve e tampouco terá recursos financeiros e humanos para arcar com a exploração simultânea de todos os campos", diz David Zylbersztajn, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP). "Se em 2007 o governo tivesse dado mais abertura aos investimentos estrangeiros, estaríamos em outra situação agora. Oportunidade como aquela nós não teremos nunca mais." Não é apenas a empresa que perde, mas também a economia como um todo. Avolumam-se notícias de dificuldades financeiras de empresas que respondem pela contratação ou pela fabricação de equipamentos, motivadas pela baixa produtividade, pela pouca experiência e pelos atrasos. Cerca de 4000 trabalhadores da Alumini Engenharia que atuam nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, estão há mais de dois meses sem receber salário. Milhares de funcionários da lesa, uma fornecedora de equipamentos de exploração, estão com o futuro incerto, depois de a empresa, citada no petrolão, ter perdido contratos com a estatal e entrado em recuperação judicial. A curto prazo, a queda do petróleo poderá até ter efeitos positivos para a estatal, porque ela deixará de perder dinheiro com a gasolina defasada. Do ponto de vista dos investimentos, entretanto, o novo cenário preocupa. Para Adriano Pires, a Petrobras será obrigada a rever seu plano de negócios. "Com esse preço, mesmo projetos com os quais a Petrobras já está comprometida poderão ser revistos", afirma.
Em escala global, a desvalorização nas cotações do petróleo poderá também trazer consequências profundas. Países exportadores de petróleo enfrentarão uma forte redução das divisas e os mais autoritários entre eles poderão sofrer crises internas. Os importadores, por sua vez, ganharão um alívio. De acordo com o FMI, uma queda de 10% no índice Brent infla o PIB global em 0,2%, já que o dinheiro economizado com o preço baixo acaba sendo gasto em outros setores, aquecendo o consumo. Se o valor do barril for mantido durante um ano na casa dos 70 dólares, cerca de s 1,5 trilhão de dólares que eram gastos com petróleo (quase o PIB da índia) poderão ser usados para outros fins. "É como uma criança que sai de casa com 10 reais para comprar sorvete e o encontra por 6 reais. Com o mesmo dinheiro, ela consegue o sorvete, mais um gibi e algumas balas. Ou seja, ficou mais rica pelo mesmo montante", diz a inglesa Lydia Rainforth, analista do mercado de petróleo do banco Barclays.
A queda do preço do barril é uma má notícia para países com regime autoritário como a Venezuela, a Rússia e o Irã. Os dois primeiros aproveitaram-se da alta do recurso fóssil a partir de 1999 para concentrar poder internamente, o que fizeram distribuindo dinheiro à população e destruindo atividades econômicas que não estivessem ligadas ao petróleo. Sem rivais políticos nem econômicos, Hugo Chávez e Vladimir Putin reinaram soberanos. Com os petrodólares, eles importaram os mais diversos produtos, de alimentos a sabonetes. Sem esse dinheiro, contudo, a escassez aumentará e os preços subirão ainda mais. A Venezuela está com uma inflação de 63%. Para equilibrar seu orçamento, o país precisa que o preço do barril esteja a 120 dólares, muito acima do valor atual, o que afetará as políticas assistencialistas em curso. Em Moscou, na semana passada, o vice-ministro da economia admitiu que o país enfrentará uma recessão. "Se os preços do Brent continuarem baixos durante o período de dois a cinco anos, Putin será pressionado para iniciar a liberalização da economia. Seria muito difícil ele conseguir manter sua popularidade sem introduzir reformas significativas", diz o cientista político americano Michael Ross, autor do livro The Oil Curse (A 2,45 Maldição do Petróleo, em inglês).
Na reunião da Opep, Venezuela e Irã queriam fechar as torneiras para forçar a subida dos preços. Perderam. Os sauditas preferem ver as cotações em queda e assim deixar menos atraente o futuro de fontes alternativas, sejam as renováveis ou o xisto americano. A Arábia Saudita também não tem interesse de perder sua participação no mercado mundial, e não deve ter ficado feliz ao ver que os Estados Unidos assumiram, em junho passado, o posto de maiores produtores mundiais. O jogo pesado do petróleo não é para amadores, e o Brasil, infelizmente, entrou nele como um aprendiz aparvalhado.
Fonte: https://www1.fazenda.gov.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário