Instalado no 32º andar de um moderno edifício no coração do bairro de Puerto Madero, o presidente da YPF tem em seu escritório uma das mais belas vistas de Buenos Aires. Mas o olhar do engenheiro Miguel Galuccio brilha mais quando fita o pedaço de rocha que serve de enfeite na mesa de centro. Pode parecer exagero a redoma de vidro que a protege. Mas há motivos para aquele aparente pedaço de pedregulho ser tratado como joia. Afinal, foi extraído do lugar que pode se transformar na mina de ouro do país.
- O que é isso?
- Isso é Vaca Muerta!
O depósito de xisto localizado no Sudoeste da Argentina tem nome esquisito, homenagem a uma cordilheira próxima, mas seu potencial em combustíveis não convencionais é gigantesco. Dos 30 mil quilômetros quadrados, a YPF é dona de 12 mil. Mas Galuccio, escalado para comandar a empresa quando foi nacionalizada, há dois anos e meio, está longe de querer exclusividade. Para ele, o sonho de transformar Vaca Muerta num projeto viável depende da capacidade de atrair parcerias com empresas estrangeiras.
Três acordos já foram fechados: com as americanas Chevron e Dow em 2013 e na semana passada com a Petronas, da Malásia. Agora ele corteja um parceiro mais próximo. "Eu ficaria encantado em fazer mais coisas com a Petrobras", diz.
O escândalo de corrupção que chacoalhou a empresa brasileira é um tema que Galuccio evita comentar. Seu pensamento se volta para o dia em que, um pouco mais livre do problema, a Petrobras se interesse pela proposta de investir em Vaca Muerta para explorar gás. Por que gás? "Porque a Petrobrás já está numa área de exploração de gás em Neuquén (província que abriga Vaca Muerta)".
Tampouco a reviravolta no cenário mundial, com a drástica queda do preço do petróleo parece desanimar o presidente da YPF. "Em Vaca Muerta, cada projeto envolve concessão de 35 anos. Nesse tempo os preços vão oscilar muito. O que acontece hoje ou o que venha a acontecer com os preços hoje ou nos próximos seis meses para mim é uma foto. O importante é o filme completo."
Os problemas econômicos na Argentina poderiam representar um obstáculo adicional. O ambiente de um país que enfrenta inflação alta e sérias dificuldades para importar por falta de acesso ao mercado internacional tem sido apontado por vários setores como motivo para engavetar projetos.
Galuccio aceitou conceder uma entrevista ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, sob a condição de não abordar questões macroeconômicas. Mesmo assim, suas declarações respondem a tais indagações. Apoiado, sobretudo, nos bons resultados que a companhia apresenta ao longo de sua gestão, o plano estratégico do presidente da YPF pode abrir uma trilha importante para a Argentina resolver dois problemas críticos e interligados.
Cada dólar que entra no país hoje ajuda a conter a queda das reservas em moeda estrangeira. Além disso, elevar escala na produção de combustíveis significa reduzir a necessidade de o país importar energia.
A indicação de Galuccio para o cargo, em maio de 2012, tranquilizou o mercado. Sua experiência de trabalho anterior na própria YPF e em outras empresas do setor, inclusive no exterior, conferiu um tom profissional na companhia cujo controle acabara de ser readquirido pelo Estado.
Aos 46 anos de idade, o presidente da YPF ressalta seu conceito de nacionalismo: "Quando falamos sobre o sentido nacional nos referimos ao papel da YPF na liderança do futuro energético da Argentina. Não falamos sobre outro tipo de nacionalismo". Rege na companhia, diz ele, a meritocracia: "Todos os que entram são bons no que fazem e crescem na empresa porque dão resultados."
Fundada em 1922, a empresa "Yacimientos Petrolíferos Fiscales" (jazidas petrolíferas fiscais) passou para o controle da espanhola Repsol no governo de Carlos Menem, em 1999. Hoje, 51% estão nas mãos do governo e o restante é negociado na Bolsa de Nova York e de Buenos Aires.
Em maio, o governo encerrou longa e polêmica pendência ao pagar à Repsol uma indenização de US$ 5 bilhões em títulos públicos. Galuccio é direto quando questionado sobre os motivos que teriam levado a presidente Cristina Kirchner a apresentar, na época, o projeto de lei que definiu a petrolífera como empresa "de interesse público e sujeita à desapropriação".
Segundo Galuccio, a YPF foi vítima de um modelo da Repsol que visava usar os recursos obtidos na Argentina para abrir negócios em outras partes do mundo. "Isso pode fazer sentido para um grupo com sede em Madri. Mas, para mim, rompe um dos princípios básicos de negócios, que é reinvestir no lugar onde se obtém um grande volume de "cash". O modelo poderia funcionar se a Argentina não precisasse de energia. Mas se você tem quase 50% do mercado e não cuida disso em algum momento essa relação vai quebrar, tanto com o governo como com o usuário."
Uma das suas primeiras decisões foi conter a queda de produção. Para começar, trocou toda a equipe de comando. E buscou no exterior talentos que, como ele, haviam trabalhado na YPF. Alguns deles foram seus colegas na universidade. Foi a paixão por atividades ao ar livre que levou Galuccio a escolher a especialização em petróleo quando saiu da província de Entre Rios para estudar engenharia em Buenos Aires.
Quando aceitou o convite de Cristina para ocupar a presidência da empresa, Galuccio morava em Londres, onde trabalhava na Schlumberger, a maior prestadora de serviços de petróleo do mundo. Ele também comandou a operação da Schlumberger no México e, antes disso, em sua primeira fase na YPF, também trabalhou na Indonésia.
A equipe do novo presidente da YPF seguiu sua vocação. A turma com experiência assumiu a operação e para a área financeira foi contratado um ex-executivo da Merrill Lynch, Daniel González. "Tínhamos de levantar investimentos para elevar a produção e, para isso, precisávamos ter acesso aos mercados", diz.
A primeira investida foi no mercado local. O primeiro lançamento de títulos, de US$ 150 milhões, foi bem recebido. Em seguida, foram lançados US$ 500 milhões e, depois, US$ 1 bilhão. Os investimentos em exploração passaram de US$ 2 bilhões em 2012 para US$ 5,2 bilhões anuais (projetados para este ano).
O resultado financeiro se transformou na melhor propaganda da YPF. Os números crescem desde 2011. Em dois anos, a receita líquida foi elevada em 21,33%. Passou de US$ 13,6 bilhões em 2011 para US$ 16,5 bilhões, em 2013. E nos nove meses acumulados deste ano somou US$ 13,1 bilhões, o que representou um crescimento de 6,4% na comparação com os três trimestres de 2013. Em três anos, a YPF abriu 5,6 mil postos de trabalho. Trata-se da maior empresa da Argentina, com 22 mil empregos diretos e a utilização da capacidade das refinarias está em 94%.
Foi com resultado tão positivo que o plano tático de Galuccio passou, então, para a fase das parcerias. Há um ano e meio a Chevron decidiu investir US$ 1,24 bilhão para explorar petróleo de xisto em Vaca Muerta. Nessa fase, a YPF entrou só como operadora. Na segunda etapa, o investimento, de US$ 1,8 bilhão, foi repartido - US$ 900 milhões de cada lado. Segundo Galuccio, a maior parte dos recursos para investimento sai do fluxo de caixa da companhia.
O executivo de fala mansa e sorridente conta que a negociação com a Chevron foi polêmica: "Tivemos de convencer as pessoas de que a soberania energética da Argentina passa pela necessidade de a YPF associar-se para trazer investimentos de fora. Às vezes a mentalidade nacionalista não entende isso". O projeto com a Chevron criou o segundo maior depósito de petróleo da Argentina em produção e o maior não convencional fora dos Estados Unidos, com 35 mil barris por dia. O acordo prevê futuras expansões.
O segundo parceiro da YPF foi a americana Dow Chemical, que investirá US$ 120 milhões num projeto piloto para explorar gás de xisto. O terceiro acordo foi fechado na semana passada com a Petronas. Galuccio recebeu o Valor na véspera da viagem a Kuala Lampur, de onde voltou com o acordo por meio do qual a petrolífera da Malásia investirá US$ 475 milhões. A YPF entrará com US$ 75 milhões e será a operadora.
Daqui a um ano a Argentina terá eleito um novo presidente da República. Se depender do apoio dos grupos empresariais e do mercado, Galuccio deverá ser mantido para seguir sua peregrinação em busca de investidores para YPF. Para muitos analistas, Vaca Muerta ainda precisa de bilhões de dólares para se transformar numa mina de ouro. Mas Galuccio já se dará por vitorioso se ajudar a Argentina a recuperar o autoabastecimento energético que perdeu em 2011.
Fonte: http://geofisicabrasil.com
Veterano do xisto enfrenta insuficiência energética da Argentina que tem custo anual de US$ 6 bilhões
A Argentina depende de duas coisas para reverter três anos de insuficiência energética que lhe custam US$ 6 bilhões por ano: uma formação de xisto maior do que o estado de Massachusetts, e Miguel Galuccio, que trabalhou em operações de perfuração da Dakota do Norte até a Polônia e a Índia.
A presidente Cristina Kirchner nomeou Galuccio como CEO da YPF SA em 2012 depois de confiscar a empresa à Repsol SA, da Espanha. Desde então, Galuccio triplicou os investimentos na petroleira estatal para tentar reverter um declínio da produção que provocou insuficiências paralisantes de energia e impulsionou as importações de energia da Argentina para níveis recordes.
Enquanto os preços de petróleo estão despencando para menos de US$ 60 por barril e os produtores mundiais estão revendo suas estratégias, Galuccio manterá a sua para a formação de xisto de Vaca Muerta, que depende de parceiros estrangeiros com uma perspectiva de longo prazo. O empreendimento de US$ 16 bilhões com a Chevron Corp. em Loma Campana é o segundo maior produtor da Argentina, e a YPF anunciou neste mês uma parceria de US$ 550 milhões com a Petrolian Nasional Bhd da Malásia.
"É uma grande conquista para a Argentina, ter algo como Loma Campana para exibir depois de dois anos", disse Galuccio, 46, em uma entrevista. "Não é uma vitrine de brincadeira".
Como os preços do petróleo continuam caindo, outros não têm tanta certeza. Do petróleo barato "resultará um desenvolvimento menos enérgico de Vaca Muerta", disse Paolo Rocca, o bilionário presidente da fornecedora de oleodutos Tenaris SA, em uma conferência de fornecedores do setor em Buenos Aires, no dia 10 de dezembro.
Vaca Muerta
A YPF identificou Vaca Muerta pela primeira vez sob as planícies da Patagônia na década de 1980. O local possui pelo menos 23 bilhões de barris de petróleo, segundo uma pesquisa feita em 2012 pela Ryder Scott. Com 30.000 quilômetros quadrados, ela tem quase o dobro da área da formação de xisto de Eagle Ford, no Texas, que produz mais de 1,6 milhão de barris por dia.
Desde que a Argentina confiscou uma participação de 51 por cento na empresa, em abril de 2012, a YPF vendeu mais de US$ 1,7 bilhão em títulos no exterior. As ações cresceram 120 por cento, frente a um declínio de 21 por cento em um índice da Bloomberg de ações internacionais de empresas de petróleo.
Extrair as reservas de Vaca Muerta, a quase três quilômetros de profundidade, é fundamental para que a Argentina volte a exportar energia, segundo Galuccio, ex-executivo da Schlumberger Ltd., que relaxa lutando boxe e praticando hot yoga e polo nas horas livres. Os executivos que visitam a joint venture de Loma Campana saem dispostos a verem a YPF como parceira, disse ele.
Nacionalização da YPF
No empreendimento de Loma Campana com a Chevron, torres de perfuração móveis trazidas de Houston furam o terreno seco da província de Neuquén. É o maior campo de xisto fora dos EUA. Dele se extraem 35.000 barris por dia, e a produção aumentará quando a YPF empregar a perfuração horizontal.
Galuccio também alistou outras empresas para trabalhar em Vaca Muerta. A Dow Chemical Co., com sede em Midland, Michigan, está desenvolvendo gás em uma área chamada El Orejano, e a Petronas, companhia estatal da Malásia, decidiu no dia 10 de dezembro trabalhar com a YPF para perfurar em uma área de 187 quilômetros quadrados conhecida como La Amarga Chica.
Depois de nacionalizar a YPF, Cristina ajudou o setor petroleiro ao reduzir impostos e autorizar aumentos nos preços da gasolina, o que possibilitou que as empresas de energia continuassem lucrando mesmo com uma inflação estimada em 40 por cento. Agora, ela aposta que uma nova lei de hidrocarbonetos, que dá aos produtores preços mais altos e incentivos fiscais para as operações com xisto, faça com que a Argentina recupere a autossuficiência energética até 2019.
"Eu não acredito em um preço de US$ 50 ou US$ 70 no longo prazo", disse Galluccio de seu escritório em Puerto Madero. "Com US$ 80, nós estaremos bem. Se for US$ 70, teremos que nos tornar mais competitivos. Temos muita margem para a produtividade".
Fonte: http://geofisicabrasil.com
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