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sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Entrevista: Leonardo Maugeri, professor de Harvard

Há dois anos atrás, o pesquisador de Harvard, Leonardo Maugeri, apresentou um estudo mostrando que o fim da era do petróleo ainda estava longe de chegar. O aumento da capacidade de produção dos países, num ritmo que não se via desde 1980, era uma das explicações para sua teoria. A outra era o surgimento de muitas reservas provenientes de fontes não convencionais, como o xisto, nos Estados Unidos. Das rochas de xisto, extrai-se não só o gás, mas também o óleo. Trata-se de uma fonte não convencional de combustível porque requer avançados processos químicos para que o produto esteja pronto para o refino.
harvard leonardo maugeri
Hoje, Maugeri celebra suas projeções acertadas: a melhora da produtividade faz com que a capacidade atual de produção supere a demanda em cerca de 8 milhões de barris por dia. A América Latina, detentora de grandes reservas, não foi um dos motores desse avanço. Suas petrolíferas fortemente atreladas aos governos vêm perdendo cada vez mais relevância. Maugeri, que foi executivo da estatal petrolífera italiana ENI, explica ao site de VEJA porque a experiência das empresas públicas do setor na região não é positiva. "Se os estados continuarem usando tais empresas como fonte de dinheiro, elas vão sucumbir, mesmo com os melhores gestores. A forma moderna de estados lucrarem com essas empresas é o imposto, não a intervenção", diz. Leia trechos da entrevista.

O gás de xisto tem revolucionado a indústria do petróleo. Até quando suas reservas podem durar?

É muito difícil precisar a perenidade dessas reservas porque a tecnologia para esse tipo de exploração ainda é muito limitada. O que podemos dizer é que aqueles que defendiam que o xisto seria um fenômeno temporário realmente não tinham embasamento para fazer essa afirmação. E o boom do gás de xisto está aí para mostrar isso. Então, a posição mais honesta em relação a isso é constatar que o mundo ainda precisa investir em tecnologia para compreender o xisto. As previsões, sejam elas positivas ou negativas, são completamente aleatórias.

Os investimentos feitos hoje são satisfatórios para sanar essa lacuna?

As empresas do setor estão investindo não só no desenvolvimento de novas tecnologias, mas também na adaptação das tecnologias existentes. E isso implicará em redução dos custos de exploração. Por isso a produtividade no setor tem aumentado significativamente. Os investimentos em pesquisa também vão nessa direção de melhora da produtividade, ainda que haja muitas empresas pessimistas em relação ao futuro do xisto.

Quem são essas empresas?

As que tiveram sucesso em seus projetos são as que chegaram antes e investiram antes, como a Noble Energy e a Continental Resources. As pessimistas foram, no geral, as grandes empresas petrolíferas, que chegaram depois e abocanharam os piores ativos, as piores reservas. Por isso estão pessimistas. No xisto, é preciso ter mentalidade de guerrilha, atacar várias frentes do negócio forma muito dinâmica. E essa definitivamente não é a mentalidade das grandes empresas. A Exxon por muito tempo disse que o xisto era uma bolha prestes a estourar. Em 2009, mudaram de estratégia e compraram a XTO, que explora o xisto, por 41 bilhões de dólares. Em menos de um ano o preço do gás de xisto caiu. Foi uma das piores decisões da Exxon em toda a sua história. Entraram tarde demais.

Em seu estudo de 2012, o senhor cita o pré-sal como um dos fatores capazes de impactar a produção mundial. Essa avaliação se mantém?

Eu sempre fui muito cauteloso em falar do pré-sal. Muito mais cauteloso do que a Petrobras. Por isso meus números sempre foram menos otimistas que os do Brasil. É fato que a produção do pré-sal avança, mas não no grau previsto pela empresa. A euforia inicial era injustificada porque havia muitos problemas envolvendo a descoberta. O pré-sal, em si, é algo maravilhoso. O problema é a gestão da empresa, o advento do gás natural sobre a camada de formação pré-sal, a complexidade desse recurso. Enfim, muitas variáveis a se considerar.

É comum que empresas petrolíferas sejam otimistas demais em relação à sua própria capacidade de produzir?

No caso da Petrobras, ela não errou em dizer que havia muito pré-sal. O problema é a produtividade. A formação é muito complexa e leva muitos anos para começar a ser explorada. Com isso, os custos de produção se elevam e é preciso investir muito. Hoje, grande parte dos investimentos foi feita. Mas ela já não pode entregar o que prometeu lá atrás.

A Operação Lava Jato já afeta a credibilidade da empresa no exterior?

A questão da credibilidade importa, sobretudo, para os mercados, pois afeta os ganhos dos ativos. Na prática, no contexto da empresa, o problema é outro. É gerencial. Pois, quando há um escândalo como esse, a alta cúpula invariavelmente acaba caindo. Nenhum CEO sobrevive a isso. Mas, depois que o terremoto passa, a empresa sempre sobrevive. O caminho depois de uma crise como essa é limpar a casa e continuar operando. Em especial uma empresa como a Petrobras, que detém reservas enormes e tecnologia para explorá-las.

Indicações políticas para cargos executivos são muito comuns na Petrobras e em outras estatais brasileiras. Ocorre o mesmo com estatais petrolíferas ao redor do mundo?

Eu trabalhei por muitos anos na ENI (estatal italiana de petróleo), que já foi totalmente controlada pelo governo, mas hoje tem 30% de participação estatal. No conselho de administração, era lógico encontrar membros indicados pelo governo, já que ele era o principal acionista. Também é compreensível que, quando se é acionista, se tenha em mente participar das principais decisões estratégicas de uma empresa. Mas a escolha dos executivos não tem de ser política. Isso não é comum. A gestão tem que ser escolhida por sua capacidade, seu conhecimento de mercado. Não adianta usarem o argumento de que o setor de petróleo é estratégico e que isso justifica o pedigree político de seus gestores. A forma de controle deve ser via conselho.

Na América Latina, há grandes produtores de petróleo controlados por governos. Essas empresas não são, necessariamente, modelos de sucesso. Isso atrapalha a relevância da produção desses países no futuro?

Certamente. Muitos pensam que a nacionalização do petróleo nasceu no Oriente Médio. Mas não, foi na América Latina. Na Argentina, precisamente, nos idos de 1922. Claro que havia a Rússia, mas era outro regime de governo em que tudo foi tomado pelo estado. Mas para quem estava fora do regime, o petróleo não era estatizado. Esse fenômeno começou na Argentina e se espalhou. Depois, no México, em 1930. Em seguida, no Brasil. Então, a relação entre o petróleo e a cena política na região sempre foi muito próxima. Por isso é difícil traçar uma perspectiva para o setor sem levar em conta a intervenção estatal. O que se pode dizer é que a experiência não tem sido positiva. Se olharmos para a Argentina, o México, a Venezuela, os resultados são frustrantes quando analisamos a capacidade desses países. O Brasil é a exceção. Ninguém pode negar que a Petrobras tem excelência em perfuração em alto mar. É uma empresa com muitas nuances, mas ainda assim ela é considerada exceção.

Por que os governos da América Latina têm tanta dificuldade em reconhecer a necessidade do capital privado no setor?

Essa realidade aconteceu na Europa também na primeira metade do século passado. Quando se tem grandes empresas controladas por Estados, eles tendem a enxergá-las como grandes fontes de dinheiro. Usam as empresas de petróleo para financiar subsídios e uma infinidade de coisas. É uma atitude que foi recorrente em governos militares de esquerda e de direita. E tem se mantido na América Latina depois da redemocratização. O que é preciso ver é que a gestão de empresas estatais dificilmente pode ser eficiente quando se tem um governo por trás, tirando recursos da empresa de alguma forma. Por melhor que seja a gestão, essas empresas tendem a ir mal, pois o caixa é penalizado quando se tira dinheiro para financiar coisas que nada têm a ver com a indústria. Essa separação será essencial cedo ou tarde para a América Latina.

Mas os governos de esquerda do continente não parecem dispostos a perder a fonte de receita.

O que esses governos precisam entender é que a livre competição é a única forma de trazer resultados. A forma moderna de Estados lucrarem com essas empresas é o imposto, não a intervenção.
Fonte: http://geofisicabrasil.com

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